No dia 10 de outubro Oliver Hart e Bengt Holmstrom receberam a notícia de que foram agraciados com o Prêmio Nobel de Economia por suas contribuições para a teoria dos contratos. Os premiados são reconhecidos especialmente pelo conceito do "contrato incompleto". Esse tipo de contrato, segundo eles, seria preferível sob certas condições a outros que tentam explicar todas contingências possíveis entre as partes.
O foco do trabalho dos autores situa-se no papel dos incentivos gerados por contratos. Holmstrom, em sua crítica ao livro "Pay Without Performance and the Managerial Power Hypothesis" sustenta que nenhum plano de incentivos é perfeito, e que problemas surgem com o tempo. Oliver Hart debruçou-se sobre o papel de contratos governamentais com entes privados e ilustrou suas teses demonstrando a aplicação de suas teorias aos contratos de privatização de prisões. Os trabalhos desses autores trazem implicações interessantes para diversas políticas públicas. Focalizamos neste artigo algumas implicações para o campo da educação.
A questão é saber em que condições se torna interessante a provisão privada de serviços públicos. Não se trata de atividades puramente privadas, mas de atividades que o governo exerce ou deixaria de exercer, concedendo recursos ou incentivos para sua provisão pelos entes privados. As variáveis relevantes para aferir quando a provisão privada pode ser benéfica referem-se á possibilidade de especificações dos imprevistos e dos mecanismos de monitoramento tanto dos processos quanto dos resultados.
Mesmo quando as condições de cumprimento do contrato podem ser especificadas em detalhe, ou substituídas por outros mecanismos que certifiquem que os mesmos foram cumpridos, ainda podem pairar muitas dúvidas quanto ao efetivo cumprimento dos termos. No caso das prisões, por exemplo, o uso da força para coibir violência ou da punição para reprimir transgressões é um dos vários exemplos que Hart usa para argumentar contra a adoção desse mecanismo de certificação.
Mas há vários outros casos em que Hart é mais otimista a respeito das vantagens de um contrato "incompleto". Não se trata simplesmente de repetir os possíveis ganhos de eficiência tipicamente associados à privatização. Ao contrário, trata-se de examinar em que medida o tipo de contrato - no caso, um "contrato incompleto" - poderia assegurar qualidade sem erar incentivos perversos.
A educação é um caso interessante para a hipótese de Hart. Tipicamente essas parcerias levam a uma redução na qualidade do serviço quando a qualidade do processo ou do produto não está prevista no contrato. Simplesmente fixar a qualidade não seria viável dada a complexidade e imprevisibilidade das dimensões que a qualidade pode ter. E não seria suficiente, dados os pretendias benefícios de deixar espaço para imprevistos. É nesse espaço que ocorreriam as inovações pedagógicas, organizações e administrativas.
Contudo, uma das variáveis críticas para tornar os contratos incompletos efetivos é assegurar aos usuários a possibilidade de escolha dentre as diversas opções ofertadas - o que dificilmente poderia ocorrer entre presidiários. No caso da educação, também é importante ter em vista o risco de concentração de bons alunos em boas escolas e de alunos mais vulneráveis nas escolas de baixo desempenho, empiricamente observado quando promove-se competição entre escolas.
Os estudos sobre incentivos e contratos abrem espaço para uma discussão sobre a melhoria da provisão privada dos serviços públicos em que o objetivo seja atrair parceiros comprometidos com a qualidade e com resultados, e não apenas em cumprir níveis mínimos de insumos ou infraestrutura. Parcerias público-privadas poderiam ser bem-sucedidas quando estiverem presente condições institucionais adequadas, em que os contratos são firmados tendo em vista a garantia do direito á educação. Além dos desafios teóricos legados pelos ganhadores do Nobel de Economia de 2016, há algumas implicações práticas que poderiam ser particularmente úteis para o momento de crise de financiamento que afeta o setor público e sugere a necessidade de busca de maior eficiência.
Inúmeros estudos sobre o impacto de "vouchers" e outras formas de competição educacional foram realizados nos últimos vinte anos. Os resultados são mistos - há situações em que eles se demonstraram positivos e outras em que produziram resultados claramente negativos - especialmente na forma de comportamentos oportunistas, como o uso de mecanismos de auto seleção de alunos ou simplesmente de má qualidade serviços.
No caso brasileiro, a nosso ver, há duas áreas que informam sobre essas propostas e testam os seus limites na prática: as creches e o ensino médio técnico - duas áreas em que os benefícios do setor privado podem ser maiores que a capacidade do governo de provê-los, e, portanto, há espaço para esse tipo de parceria. As preferências da população por fatores como localização, flexibilidade de horários, itinerários formativos e vinculação com empregos e mercados - difíceis de serem especificados a priori - talvez poderiam ser melhor atendidos quando os provedores tiverem liberdade para exercer plenamente sua capacidade de resposta a esses desafios - em vez de ficarem limitados ao mero cumprimento de regras contratuais.